A extinção dos sentimentos - Márcio Salgues
Nosso chamado mundo moderno tem sido pródigo na criação e distribuição de valores, comportamentos, costumes e conceitos de consumo rápido, práticos, descartáveis, embalados para presente. E os efeitos da tal globalização não se restringem às mazelas sociais que vemos desfilar diante dos nossos olhos diariamente. Vão mais além. Fogem das esferas econômicas e influenciam até sentimentos mais íntimos como o amor.
Claro que sempre houve um materialismo embutido nas relações formais, nem sempre amorosas, desde longa data. O conceito de dote, por exemplo, ainda hoje é aceitável e praticado em diversas partes do mundo. A civilização ocidental, curiosamente, apesar de ter abolido o costume e a exigência prática do dote nas uniões entre homem e mulher, criou um mecanismo ainda mais mesquinho. Incutiu na cabeça de todos que o conceito de amor é secundário. Que, antes de tudo, em detrimento desse mesmo amor, é mais importante ser bem sucedido financeiramente. Que o mais importante é ter do que amar.
É incontestável, obviamente, a necessidade de se alcançar uma certa tranqüilidade” e estabilidade profissional e financeira quando duas pessoas pensam em formalizar um amor verdadeiro, juntar as escovas de dente, lavar cuecas e calcinhas – ou só cuecas, ou só calcinhas – no mesmo tanque, enfim... Afinal, não existem contos de fada. Mas, não é apenas esse pensamento que está movendo as engrenagens das relações pessoais. Uma criatura estranha toma forma. Uma espécie de amor globalizado pós-moderno. Insensível, pragmático e materialista.
A poesia está sendo assassinada. Os sentimentos relegados. Aquela coisinha abstrata que ninguém pode tocar ou roubar. Aquilo que demos o nome de “amor”. Esse sentimento que deu à luz a tantos versos às custas das almas açoitadas de outros tantos poetas; que alimentou e ainda alimenta tantos corações, tantas histórias.
Sim, essas percepções vão-se tornando raras, sendo soterradas pela cegueira da vida moderna. Vão-se extinguindo.
E a vida segue, com homens e mulheres, a se exigirem entre si, contas bancárias, apartamento próprio e, pelo menos, um carro descente e um bom emprego. Outros a amarem com contratos pré-nupciais bem explícitos no que tange aos bens e, ainda assim, com prazo de validade desse amor definido.
A impressão é que só uns poucos ainda ousam amar e ainda conseguem enxergar poesia na vida, a despeito das justas obrigações e preocupações cotidianas. Encontram o equilíbrio e o bom senso. E são mais felizes.
Contudo, a insanidade coletiva cotidiana, a ânsia por sobreviver dentro de certos padrões financeiros ou mesmo para alcançar um padrão mais elevado, além do apelo constante pela noção distorcida de sucesso que nos é imposta pelo mundo, aborta aos poucos a composição de novos versos, converte poetas em vendedores desalmados, corações em meras bombas sangüíneas e a existência numa vida sem vida, inerte e fria.
Belo texto..
E pensar que o Marcinho é meu amigo. Fico super feliz por ele. Além de achar muito certo o que ele escreveu.
O amor está sendo relegado a segundo plano e sempre através de desculpas esfarrapadas.
As pessoas deixam de amar verdadeiramente por motivos tão artificiais, que chegam a ser inacreditáveis.
A prioridade pode ser o trabalho, a carreira, o dinheiro, a fama, etc...
Quando na verdade a prioridade deveria ser sempre o amor.
Sem amor todas essas outras coisas ficam vazias e sem graça.
Sou uma das raras "Hopeless romantic" ainda vivas e que não morreu de tuberculose... rs...
Creio que sou também uma das poucas "que ainda ousam amar e que ainda conseguem enxergar poesia na vida".
Porque sempre acreditei que sem esse amor, sem essa paixão, a vida fica sem graça, sem VIDA.
Bjo.
Música: Through her eyes - Dream Theater.
2 comentários:
Olá
Peço imensa desculpa.
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