Essa foi a conclusão a que chegaram os técnicos da ONU, numa pesquisa feita sobre desigualdade social no Brasil e no mundo.
O levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado nesta quarta-feira aponta a Região Metropolitana de Salvador como uma das maiores desigualdades sociais do mundo, com diferença de renda entre moradores de até 2.532%. O contraste entre ricos e pobres na metrópole baiana é tão intenso que, se fosse um país, teria a segunda pior distribuição de renda do mundo, atrás apenas da Namíbia - segundo o Índice Gini.
Quando ouvi essa notícia, logo me veio à mente algo do tipo: "Mais desigual que o Rio de Janeiro?"(estive no Rio, e posso afirmar que lá a coisa é gritante, assustadora mesmo.) O povo rico em mansões na Barra da Tijuca, e o povo pobre, oprimido nas favelas, sendo monitorado no seu elementar direito de ir e vir, com viaturas da Polícia patrulhando as entradas dos principais morros, numa segregação ostensiva e às claras. Como se os ricos estivessem livres aqui embaixo e os pobres presos lá em cima. Terrível.
Mas foi neste exato momento que a ficha caiu. Porque não é bem assim. No Rio, o caso é gravíssimo, claro. Mas pelo menos, se é que podemos falar em vantagem, ela consiste em ser a injustiça de lá algo próximo do palpável, do notório. A pior injustiça é aquela feita na surdina, às escuras, que quase ninguém vê ou quer ver. Desse tipo de injustiça, é muito mais difícil de se defender, pois ela cega as pessoas. É o caso de Salvador.
Ninguém pode negar que esta cidade é realmente bela, com lugares maravilhosos, cheia de história, de cultura, com pessoas gentis, simpáticas, iluminadas, músicos e artistas de primeira qualidade, lugar da mistura de raças, sol, calor, praias paradisíacas (apesar destes 3 últimos não serem de minha preferência pessoal). Isso não é mera invenção. É fato. É a Salvador do belo, do engraçado, do céu azul, da brisa gostosa, do abará quentinho, da Ribeira, Humaitá, Rio Vermelho, Liberdade. Dessa Salvador eu me orgulho, com ela me emociono em certas ocasiões e dou muitas risadas em outras.
Mas aqui, as coisas não são tão coloridas e musicais como são exportadas para o mundo. E aquele lado exageradamente alegre, bem cuidado, com pessoas bonitas e risonhas, lugares maravilhosos faz parte de uma mega-produção feita para vender o lugar, vender a fantasia para o estrangeiro, embora, por ironia, uma boa parte do próprio povo local termine também comprando o produto, de forma consciente (ou não). Essa é a Salvador da beleza, do calor, do axé, do pagode, do dinheiro, das festas nababescas, dos turistas, das praias, do hedonismo. A Salvador com a qual eu, pessoalmente, não tenho a menor identificação e que, de alguma forma, me pressiona na direção de um "cada dia mais rígido" auto-retiro.
Na contramão desse sonho de consumo, e se você tiver a infeliz oportunidade de pegar algum veículo e seguir em direção à Cidade Baixa (localidade mais afastada dos grandes centros, dos bairros nobres etc...), poderá constatar a faceta de um outro lado ardilmente camuflado dessa "cidade da felicidade", lado que deveria ser tão surreal nos dias de hoje quanto aquele produto fake vendido para turistas. Famílias inteiras embaixo das marquises, deitadas nas ruas, em casas(?) de papelão, vivendo de forma invisível, completamente esquecidas pelo governo. Essas pessoas não têm mais moradia, nem emprego, nem saúde, nem educação, nem dignidade, não restou absolutamente nada e nem a quase imortal esperança conseguiu resistir. Sobrevivem apenas com o que a sorte oferece nas ruas. Eles também sabem que não serão assistidos pelo governo, nem farão parte de nenhum dos seus projetos milagrosos e só podem contar mesmo com outros seres humanos generosos que saem à noite para doar sopa, pão, ou seja, algo para matar, ao menos, a fome de comida. Porque para todas as outras fomes, a única coisa que sobra é indiferença. E assim, essas pessoas vão sobrevivendo, esperando apenas pela única coisa realmente certa em suas vidas, a chegada da morte. Essa é a Salvador do frio, do lixo, da fome, do abandono. A Salvador pela qual sinto meu estômago revolver-se de indignação, meu coração doer de tristeza, e meus olhos se fecharem de vergonha.
Bjo.
Música:
7 comentários:
Claudia,
vc tem toda razão ... e é triste demais ver esta cidade assim.
um amigo de fora (gringo) me vendo falar assim desalvador, me contestou ... imagina?! claro que ele tem outra imagem não é?!
nós aqui é que provamos o gosto amargo...
beijos
;-)´
(ótimo texto!)
muito bem escrito (pra variar).
e a + triste verdade (infelizmente).
e pensar q aqui, na época da colonização, era do mesmo nível de paris e londres, por causa das embarcações q aqui passavam...acho q passaram e não voltaram + ...enteraram uma cabeça de pode na Pça da Sé...só pode...
Passei só pra dar um beijo e desejar um delicioso weekend!
Sua análise é perfeita, Cláudia. No que tange à desigualdade social, a realidade de Salvador é cruel. A geografia da cidade ajuda a esconder os milhões de miseráveis que vivem abaixo da linha de pobreza.
sua análise é dolorosamente verdadeira...
é triste a realidade tão distante que vivemos um dos outros...Enquanto uns passam fome outros esbanjam casas
É triste, amigos... Muito triste...
Bjk.
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