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Comecei a escrever no momento em que percebi que só pensar não mais me satisfazia.

Precisava transbordar todo aquele pensamento que só ao meu universo de idéias pertencia.

Hoje, escrevo por pura necessidade, por irresistível vício e por agradável teimosia.




Claudia Pinelli Rêgo Fernandes ®



domingo, fevereiro 26, 2006

Salvador, a Cidade Da Alegria...???


Carnaval Posted by Picasa

Salvador está sendo vendida há alguns anos para as pessoas de fora como sendo a cidade da alegria, da felicidade, um lugar onde as pessoas vivem sorrindo, satisfeitas.. "Sorria, você está na Bahia.."

E não tem como negar. Salvador é uma cidade linda, com pessoas igualmente lindas e hospitaleiras, com uma culinária fantástica, possuidora de uma riqueza musical inigualável e que nunca deveria ser resumida apenas ao axé music, pagode e arrocha, e que apesar desses estilos serem merecedores de respeito, certamente não são o que de melhor se produz por aqui...

Porém, Salvador está longe dessa capital cheia de felicidade, de bem estar, de uma distribuição de renda digna e, consequentemente, de uma maior igualdade social.

O povo de Salvador, e da Bahia em geral, sofre com hospitais sucateados, colégios sem a infra-estrutura adequada, com centenas de computadores, mas com professores desqualificados para usarem dessa tecnologia, pois o próprio governo não investe em aperfeiçoamento de pessoal, pontos turísticos muito bem cuidados e até mesmo vigiados 24 horas por dia, como é o caso do monumento em homenagem ao Luiz Eduardo Magalhães(filho de ACM, morto uns anos atrás), enquanto a maioria dos bairros padecem com falta de segurança, saneamento e condições básicas de sobrevivência.

E chega o carnaval... Ah... O carnaval...

E em Salvador o carnaval é considerado o "mais democrático do Brasil"... Isso soa para mim como uma piada bem sem graça...

Há uns 10 anos, poderia se dizer que o carnaval de rua de Salvador era mais democrático do que hoje. Por que? Não existiam os blocos caros e elitistas? Sim, existiam. Mas havia duas diferenças básicas. O fato do carnaval ser amador, sem fins especificamente lucrativos, sem o alto profissionalismo atual(não que isso também não tenha suas vantagens) e não existir esses intermináveis camarotes, baseados apenas em lucro econômico, que tomam um espaço imenso das ruas, deixando o mínimo somente para as pessoas que estão nos blocos passarem. Antes desses monstros chamados camarotes, esses blocos passavam e os foliões que, ou não queriam ou não podiam pagar, os conhecidos como "pipocas", tinham condições razoáveis de pular ao lado daqueles e curtiam da mesma forma os artistas que vinham em cima dos trios.

Isso sem falar nos blocos de índio(pioneiros), que de índio só tinham o nome e as fantasias, mas que exploravam temas essencialmente afros também e que mantinham como base musical o samba, e os blocos afro propriamente ditos, com suas apresentações espremidas para horários cada vez menos expressivos, sempre desfilando tarde da noite e nas madrugadas.. E como isso não bastasse, cada vez são menos veiculados pelas emissoras de TV. Os blocos afro são o que se tem de mais representativo em termos de carnaval de Salvador. O valor cultural e social dessas entidades qualquer bucéfalo saberia reconhecer, mas será que elas teriam valor comercial, dariam lucro, renderiam "dindim" para os famintos investidores??? Fica aqui minha inocente dúvida...

Felizmente, ainda há redutos de resistência de uma qualidade musical perdida no tempo(e aqui não se trata de nostalgia, e sim de um fato), como é o caso do trio de Armandinho, Dodô e Osmar, que sempre sai como trio independente só para o público pipoca.. Assim como o mais recente Expresso 2222 do Ministro Gilberto Gil, mantendo um resquício de qualidade musical e dessa tal democracia tão proclamada, mas raramente praticada... Espero que eles nunca deixem de participar do carnaval daqui por falta de patrocínio, como aconteceu com muitos outros trios, e com artistas que são simplesmente esquecidos por não estarem superexpostos na mídia.. Se até o Carlinhos Brown reclamou de patrocínio... Imagine....

Mas ces't la vie... Nessa época de carnaval, parece que as pessoas se esquecem das suas verdadeiras realidades e participam dessa manifestação de consumismo descarado, de uma comercialização selvagem do tradicional, de uma vergonha cultural, sem a menor reflexão, muito menos pudor, de que quando acabar essa antológica e perversa encenação do Pão e Circo(e nesse palco, mais para Circo, óbvio), tirarão a fantasia, guardarão na gaveta e encararão a realidade nua e crua, sem maquiagem. Contudo, se isso tudo acontecesse, ou seja, a curtição e a alienação ocorressem ali, pontual e temporariamente, mas depois as pessoas conseguissem perceber claramente o engodo "quase" que intencional para o esquecimento dos problemas reais e cotidianos, e reagissem de uma forma mais consciente e coerente, seria tudo muito mais compreendido e até incentivado, pelo menos por mim.

Mudando de assunto, mas nem tanto... Hoje, precisei levar mais uma vez umas pessoas que estavam em minha casa à praia( e já vou deixando meu protesto aqui: amo quando meus amigos vêm para minha casa, adoro levá-los para todos os lugares bacanas de Salvador, mas POR FAVOR, não me façam acordar cedo para ir para praia, porque eu ODEIO praia, sol, sal etc... Definitivamente, praia não é a minha cara, OK?? rs.. ) .

Lá encontrei Carlinhos*, um menino lindo, mas com o olhar triste de quem não pode usufruir de todos aqueles direitos elencados lindamente no ECA. Carlinhos, o menino da foto, certamente não vai pular carnaval, nem ganhar uma fantasia, nem confetes nem serpentinas. Porque ele vai trabalhar na praia, como faz todos os dias, vendendo amendoim para ajudar a mãe a colocar comida na mesa. Assim como Carlinhos, milhares de soteropolitanos trabalham numa época em que a grande maioria se diverte. Nada de desonroso em ganhar dinheiro com o carnaval, mas nada de democrático também.

O Carnaval de Salvador só será o mais democrático do Brasil, quando o povo, no seu cotidiano, tiver mais dignidade e condições básicas e igualitárias de sobrevivência.. Enquanto isso, o carnaval vai continuar focado somente para os autóctones privilegiados que possuem dinheiro para pagar até $ 3.000,00 num abadá ou $200,00 para poder ter acesso a um camarote e para os turistas que vêm para Salvador em busca de diversão.

Por outro lado, ainda lidamos com questões trabalhistas lamentáveis, como as que ocorrem com os cordeiros de blocos.. Trabalham durante 6 a 8 horas por dia, geralmente sob um sol escaldante, com direito a um vale-refeição, o que muitos reclamam de não receberem, para ganhar no máximo $15,00(esse foi o maior valor pago a um cordeiro no carnaval de 2006) e sofrerem todo o tipo de agressão, uma vez que ficam completamente vulneráveis pois precisam defender os "associados" de dentro dos blocos contra os "marginais" que estão do lado de fora.

Enfim, o carnaval de Salvador virou atração para Inglês ver....

Estamos seguindo os passos do carnaval do Rio, infelizmente..

Claudia Fernandes


* Carlinhos é um nome fictício.



Bjo.



Música: Todo Carnaval Tem Seu Fim - Los Hermanos.

15 comentários:

Roger Jones disse...

tri bonita a foto, Cláudia...
e... ah... eu concordo com seu texto... e acho que o povo brasileiro é um povo alegre mas não é um povo feliz...

Anônimo disse...

olá Cláudia, nunca cá tinha estado (no teu blog)e gostei.
fica bem, beijos, miguel.

Flávia disse...

Linda a foto e lindo o texto, você conseguiu dar a perfeita "cara" as suas palavras, muito propício! Engraçado, eu também tenho uma relação bastante ambígua com a praia, adoraria tê-la por perto, mas não gosto do sol, nem da areia e nem sequer de tomar banho de mar. Amo acordar tarde, pois não durmo a noite.Amo a noite, se você quiser me add no msn aí, é banbanbangyn@hotmail.com, ok? Beijo grandão pra você!

Unknown disse...

Como vc citou a música completo. Todo carnaval tem seu fim: o de Salvador está encerrando o seu.
Ah! as fotos estão lindas!

Unknown disse...

Menina, eu quis dizer que concordo com tudo que escreveu e completo: todo carnaval tem seu fim. O de salvador por exemplo tá acabando. Perecendo.
Eu acho que escrevi rápido e comi vírgulas.
Desculpe!

Luciano Matos disse...

É por ai, nada de cordas, é desnecessário, é injusto. Quem não quer pular com o povo que faça seu Carnaval particular, não são eles que tem dinheiro? Tô querendo faezr uma campanha séria contra cordas, contra isso que estão fazendo como nosso Carnaval. Se ninguém reclama a sério, não adinata. Quero juntar artistas, jornalistas, intelectuais e fazer barulho. Escrevi algo no meu blog http://www.nemo.com.br/elcabong

Anônimo disse...

Claudinha,

O que você retrata é a pura realidade, não só de Salvador.
Eu, que sou do interior de SP, também fico horrorizado com o afastamento do povo pelas "otoridades" que (des)cuidam do carnaval.
Tudo pelo que você (re)clama está acontecendo de forma generalizada, idiotizando uma festa que era a autêntica manifestação popular e que agora se transformou na mais que despudorada "manipulação popular".
Sem nostalgias, sem olhares rancorosos contra a modernidade, mas convencido de que o carnaval não é mais o mesmo - e está piorando ainda mais rapidamente! - faço minhas as suas palavras.
**
Quanto aos "Carlinhos" ... ah! esses existem aos milhões ... mas o nosso maravilhoso governo (não estou falando do partido, tá bem? rsss) está lhes dando "o que merecem": aquela esmolinha que os mantém como e onde sempre estiveram (à margem da sociedade), mas aptos a lhe dar (ao governo) os votos que perpetuam essa condição maldita.
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Bem ... como vê ... acabei pulando direto para a política. Não tive como evitar, já que tudo o que acontece é pela avidez econômica (como você menciona) e, tanto quanto, pela avidez política que entorna essas manifestações em geral.
**
No entanto, quero dizer, em coro com você, que não são apenas os "magalhães" e os "soutos", tampouco os "fhc's" e "lulas", os "ricaços" e "empresários" e demais personagens bons ou funestos da política e da economia os principais culpados disso tudo.
Claro que NÓS SOMOS OS PRINCIPAIS culpados, que aceitamos o que nos impõem, deixamos acontecer.
**
Tomara que tua iniciativa não fique apenas nesta manifestação de cunho "intelectual", sem maiores consequências.
Um dos que comentaram antes de mim disse que vai fazer manifestações e protestos.
Acho que isso é uma forma válida para chamar atenção sobre o fato e obter mais adesões.
**
Desculpe pela extensão do comentário.
Beijo. Parabéns pela alta qualidade (sempre mantida) do teu blog.

Edgar Jorge

Anônimo disse...

Muito bom o texto , porém acho que respeitar "estilos" como arrocha e funk carioca é ser politicamente correto demais, não consigo chamar esse lixo repugnante de manifestação cultural muito menos de música.
Uma festa medíocre como o carnaval se tornou, é digna de um país idiota como o Brasil, semana passada foi aprovada uma lei que ameniza a pena de crimes hediondos , e onde esta o povo? manifestando? não estão festejando o maldito CARNAVAL ..

É isso ai , Napalm em todos micareteiros , funkeiros , arrocheiros e o escambau.

Charles Bronson Forever.

fui....

Anônimo disse...

Uma bela peça de jornalismo ilustrado com uma foto muito expressiva.

Tenho pouco gabarito para criticar ou elogiar o carnaval bahiano, até porque me sinto pouco baiano eu mesmo, visto que nao me agrada participar de uma festa como esta, que apesar de ser bela por reunir o povo num ato de alegria e descontraçao, representa em sua base um esquema de auto-promoçao e ganhos monetarios, e uma festa que antes tinha o proposito de unir o povo como um sò ao som da musica, agora divide ainda mais os bam-bam-bam daqueles que nao podem ou querem pagar mais do que 1 ano de salario para participar.

Em breve o verdadeiro carnaval de Salvador vai se mudar para outro lugar que ainda nao foi tomado pelos atorezinhos e a laia dos "cheguei" da rede Globo e cia ltda. Nao ha outra soluçao, o dinheiro manda.

E tenho dito. Abraços Claudia!

Anônimo disse...

Cláudia, vou-te linkar!
Só tenho pena não gostares de sal e mar...
Beijos, miguel

Anônimo disse...

Cláudia...não lhe conheço, mas percebi sua sensibilidade e seu jeito emotivo de se expressar... fiquei impressionado...uma fã de rush, van der graff e poesia (muito bom!) dessa nova geração...coisa de louco!
cláudio (clashcityrockers)

Anônimo disse...

quer dizer...vc é dessa nova geração, não a poesia
cláudio clashcityrockers

Rod disse...

Cacau,
Concordo com vc, eu é que não pagaria essa fortuna pra "participar" do carnaval da Bahia. Mas fazer o q né... A coisa tá cada vez mais comercial.
É vero, vc sabe o qto eu tb odeio acordar cedo, principalmente pra ir a praia. Sei mto bem o q e isso, já tive q bancar o guia mtas vezes.
Bjuxxxx
p.s. Bela foto, parabéns!!!

cebola disse...

Cláudia, valeu mesmo pelos elogios ao meu texto lá no clashcity. Gostei bastante do seu texto tb.
Olhe, minha banda estréia dia 18 lá no miss modular. É a Berlinda, eu toco baixo, apareça, valeu? vai ter Theatro de Sèraphin, Vandex e Ronei Jorge tb. Noite e tanto, não?

Unknown disse...

Oi, Cláudia!
Adorei o seu texto. Achei-o Reflexivo, crítico e muito coerente.É um excelente texto para fazer parte da coletânea de textos sobre identidade que estou preparando. Se você permitir, é claro. Você pontua coisas que mexem com a nossa identidade e merecem ser discutidas.

Um grande abaço,
Maria do Carmo

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My kind of Spirit...


You are the elusive Night Spirit.
Your season is Winter, when the stars are bright and frost crystallizes the fallen leaves.
You are introspective, deep-thinking, and mysterious.
Everyone is intrigued and a little intimidated by you because you have an aura of otherworldliness.
You work in extremes, sometime happy, other times sad, but always creative and philosophical.
You are more concerned with the unseen, mystical, and metaphysical than the real world.
Night Spirits have a tendency to get lost in themselves and must be careful not to forget reality, but their imagination is limitless.