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Comecei a escrever no momento em que percebi que só pensar não mais me satisfazia.

Precisava transbordar todo aquele pensamento que só ao meu universo de idéias pertencia.

Hoje, escrevo por pura necessidade, por irresistível vício e por agradável teimosia.




Claudia Pinelli Rêgo Fernandes ®



quinta-feira, julho 15, 2004

Insônia


Tempestade interna Posted by Hello

A insônia

Olhar no escuro . As sombras ganham formas, dançam no pensamento e despertam algumas lembranças. Por vezes, o breu desenha um espelho, assinala um horizonte perdido no tempo, preenche um vazio...
O sono entrecortado. A noite invade o quarto, emoldurada na janela de ontem. Tantas inquietações brilham no céu de uma mente insone. Movimentos em vão. Viro na cama enquanto o pensamento permanece suspenso num ponto obscuro. Tento relaxar, mas o medo se prolonga no limite das impossibilidades.
Por que os problemas ganham projeções de extensões exacerbadas na ausência de claridade?
Novas sombras...
O tempo está pautado nos sons que ecoam nas paredes. O tempo que grita os instantes e me torna refém das horas... A engrenagem de um pequeno relógio, a pequena sombra na prateleira... Cada piscar, um ruído, uma lembrança... O coração palpita, tento em vão buscar a saliência dos sonhos. O olhar perdido em sombras, fragmentos cadenciados...
Levanto-me. Na janela, observo um mundo em silêncio, aberturas em preto-e-branco, vestígios de dia, fantasias de noite... Costuro o contexto com pequenos quadros... O relógio fragmenta as percepções. O tempo passa e o sono não vem...
Busco um livro. Quero esquecer de mim, refugiar-me na prosa do contemporâneo Fábio Campana. Sou seduzida por uma ilustração enigmática: um útero preso a um rabisco, talvez um amontoado de folhas secas... As possíveis interpretações de uma abstração. Concretizo as emoções, abrigo-me em certezas...
O título “Todo o sangue” deixa correr nas veias a essência. O início metafórico - insônia, revelações e peregrinações - escreve os versos de um poema distante...
“Houve um menino. Um quintal, uma cetra, o alvo e o seu vôo. Algazarra de pássaros e crianças. Primeira geografia. Territórios de descobertas. Movia-se como suserano dos atalhos, dos becos e dos campinhos.”
O chão das primeiras palavras cria a expectativa de uma longa jornada. A linguagem do autor se confunde com minhas lembranças. A leitura se transforma... Sinto-me alar com suas buscas. O escritor mergulha em sua biografia, compreende-se no olhar plural dos personagens. Sinto vertigem! Como lê-lo sem flutuar sobre o plano da angústia e do medo? Sem aterrissar nas sombras de um tempo marcado com emoções e pensamentos?
“Território de descobertas.” Talvez envelhecer seja apenas a ocultação de alguns solos, seja absolutamente a perda dos atalhos às “primeiras geografias”, ou apenas uma conjugação intempestiva...
Houve uma menina...
No primeiro capítulo, acompanho as espirais do insone escritor. Tento me reescrever, me interpretar... O menino amadurece em um rapaz sonhador e envelhece como um homem fantasiado em ouro, glória e poder. O personagem multiplica o significado nas possíveis metáforas. O que ocorreu à margem das folhas germinadas? Todo o sangue, a vida a pulsar no correr das horas, as inquietações estancadas nos veios da insônia, as dores de sobrevivências...
A atmosfera do sonho é iluminada no que resta da juventude. Quase um instante. Uma eternidade. Os gritos, as perguntas e a agonia, escritos na ficção, confundem-me com a marcação do relógio. Primeira pessoa. O tempo ecoa nos subterrâneos das emoções. A tênue linha separa a realidade das insônias. O passado bordado nas palavras, o presente retalhado nos bloqueios inconscientes, o futuro marcado pela lucidez dos atos...
Todo o medo. Guardo reticente a compreensão. Houve uma certeza que se desfez na escuridão...
“Houve um homem que se desgarrou do jovem e lançou o menino no limbo e refugiou-se na indiferença dos cínicos. Houve o sonho branco do esquecimento.”
A insônia de Fábio Campana abre uma nova janela. A trajetória iluminada de lembranças e as penumbras tantas vezes analisadas como novas sombras descerram a noite encarcerada nas indefinições. Os novos enigmas, as revelações, as peregrinações... Presencio o distanciamento da criança, compreendo a indignação do jovem cheio de ideais perdido nas inconstâncias do mundo, desfaço-me do homem vestido com a pele do algoz.
Houve a criança, restou o ar de uma mocidade resgatada no sonho, a resignação de uma “memória sem alma”...
“E exilou-se na escuridão.”
Tento dormir, ancorar nas palavras sem compreender a real profundidade dos mares em que me aventuro. Guardo o livro na cabeceira e apago a luz. Novas sombras me assustam. Mudaram a trajetória das horas. O relógio invertido cria um novo cenário: a menina adormece ao lado; a jovem tenta, em vão, encontrar-se no rosto talhado de anos; a mulher, refém das recordações, perde o sono...
Novas espirais... Não há exílio possível na atormentada escuridão. Sou as tantas personagens que brilham na ribalta esquecida. Reacendo a luz e amanheço acompanhada das rubras palavras de Fábio Campana. Em silêncio, acompanho suas confissões.
Olhar no escuro... A construção do retrato dimensionado nas vivências do autor serve de alicerce para o despertar insone do novo dia.

Helena Sut

Esse texto diz muito..

Bjo.

Música: Islands do King Crimson.

3 comentários:

Anônimo disse...

Devo igualar-te a um dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza,
Só teu verão eterno se acaba
Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo Dura.
Enquanto houver viventes nesta lida,
Há de viver meu verso e te dar vida.

atendendo seu pedido ai está, espero que goste :)
um doce beijo minha querida CLaudia.

com carinho
Ton

Anônimo disse...

A insonia, a tristeza sem fim, quase me levaram desse mundo cedo demais, eu queria viver e nao sabia!

Nao deixe que ela te leve para lugares que voce nao queira ir!

Cuide-se bem!

Beijos,

Marcia

www.fotolog.net/marcchia

Anônimo disse...

Valeu, Marcinha...
Obrigada pelas palavras..
Bjo...

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Minha família

My kind of Spirit...


You are the elusive Night Spirit.
Your season is Winter, when the stars are bright and frost crystallizes the fallen leaves.
You are introspective, deep-thinking, and mysterious.
Everyone is intrigued and a little intimidated by you because you have an aura of otherworldliness.
You work in extremes, sometime happy, other times sad, but always creative and philosophical.
You are more concerned with the unseen, mystical, and metaphysical than the real world.
Night Spirits have a tendency to get lost in themselves and must be careful not to forget reality, but their imagination is limitless.