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Comecei a escrever no momento em que percebi que só pensar não mais me satisfazia.

Precisava transbordar todo aquele pensamento que só ao meu universo de idéias pertencia.

Hoje, escrevo por pura necessidade, por irresistível vício e por agradável teimosia.




Claudia Pinelli Rêgo Fernandes ®



segunda-feira, julho 19, 2004

Quando a alma pede a palavra


Luar Posted by Hello


Quando a alma pede a palavra

Chovia. Uma chuva fina. Dessas em que os pingos d’água parecem meio envergonhados. Uma chuva que pode ser contemplada por horas pela janela, porque faz-nos sentir a paz, agarrados na preguiça, deixando que os sonhos por nós passeiem sorridentes. Era uma chuva dessas que nos transmitem uma calma paciente, e que pede ao seu ilustre espectador solitário que ouça o tempo dizendo “tudo bem; não tem pressa”.
Naquele instante, vendo a chuva, ouviu conselhos da alma. Ela estava inquieta, sentindo-se só, um tanto assim perdida. Perdera-se não sabia muito bem exatamente onde, nem por quê. Talvez ao tropeçar pelos caminhos que passaram; ou talvez por não aceitar, em homenagem à ansiedade, que jamais conseguiria chegar no futuro antes que ele se tornasse presente.
Sentiu então uma saudade estranha da vida. Uma vontade de viver mais e mais. Sentiu falta do tempo que passou e, sem entender bem como, ainda do tempo que não veio. Foi quando se desculpou com o tempo que ali estava. Deu-lhe um abraço, respirou fundo, agradeceu à chuva e foi em frente. Queria a vida de novo, mas não mais a mesma vida.
Da janela olhou para o nada, e viu, de repente, tudo a respeito de si, como se ao longe uma tela estivesse projetando um filme de um protagonista apenas, que, porém, interpretava vários personagens incompletos, quase sem identidade. Viu que ali desfilavam desorientados seus vários “eus”. Não demorou para que o vidro da janela se tornasse um espelho, por onde enxergava o reflexo de um rosto – o seu próprio rosto – que demorou a reconhecer.
Fechou os olhos para poder escutar o silêncio daquela manhã tão especial. Estava já há algum tempo acordado do sono. Mas agora acordava para os seus sonhos. Chamou à lembrança os sonhos já vividos, guardados num canto qualquer de um mundo que se esquecera ser o seu próprio mundo, e deu-se conta de que muito do que se dizia sonho era, na verdade, a realidade transformada em poesia, que ele não soube declamar devidamente no tempo certo.
Decidiu, então, reescrever cada verso da sua vida. Trinta anos se passavam até aquela manhã.
Voltou no tempo e sentou ao lado de um menino deslumbrado com o mundo, curioso com a vida. Alguém para quem tudo tinha a sua graça. O menino estava ali, calmo, esperando que o próximo pensamento aparecesse. Ora assobiava; ora ficava quieto. Logo em seguida, cantava de improviso com as notas que voavam pelo ar e, aos poucos, ia criando uma trilha sonora de cada instante. E, assim, via passar o dia, encantado com a conversa da lua com o mar. Deixou que o momento dissesse tudo o que tivesse que ser dito.
Protegido pela força da infância revivida, descansou o seu rosto sobre as suas mãos, sentado na areia, repousando numa árvore, por certo milenar. Atrás das suas mãos, e escoltado por elas, que serviam como portas trancadas de um mundo só seu, deixou que os pensamentos passeassem por ali – viu que eles tinham muito a dizer. Eram lembranças boas de um passado quase esquecido; eram visões imaginárias de um futuro alentador. A realidade do futuro depende de quanto o queremos: é como se ele estivesse a postos, só esperando para ser chamado a se tornar presente. E se o presente assim se chama, não é à toa. O presente é o que a vida nós entrega de melhor. O passado é o presente que esquecemos de aproveitar. E o futuro, o presente que não pode ser aberto antes da hora.
O menino sorriu. Segurou firme as suas mãos. Depois, levantou-se e saiu caminhando sem destino. Se ele precisasse do menino, que fechasse os olhos e voltasse no tempo, que lá ele reencontraria mais do que um menino: encontraria a si mesmo.

Márcio de Camillis

Sem comentários.

Bjo.

Música: Epitaph do King Crimson.

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Minha família

My kind of Spirit...


You are the elusive Night Spirit.
Your season is Winter, when the stars are bright and frost crystallizes the fallen leaves.
You are introspective, deep-thinking, and mysterious.
Everyone is intrigued and a little intimidated by you because you have an aura of otherworldliness.
You work in extremes, sometime happy, other times sad, but always creative and philosophical.
You are more concerned with the unseen, mystical, and metaphysical than the real world.
Night Spirits have a tendency to get lost in themselves and must be careful not to forget reality, but their imagination is limitless.