Escândalo seletivo - Luis Fernando Veríssimo
Em poucos minutos, uma cabeça jovem vai se deteriorando. Os cabelos embranquecem e caem, a pele fica enrugada e se solta do osso, e surge a caveira descarnada. Isto é uma cena de horror.
A mesma coisa acontece, mas em muitos anos em vez de em poucos minutos. Exatamente o mesmo processo, com uma única diferença: a sua duração. Isto se chama vida. O primeiro caso é excepcional e — seja ele obra do Demônio ou do departamento de efeitos especiais — aterrorizante. O segundo caso é natural, acontece com todos nós. Seu terror é diluído pelo tempo e atenuado pelo corriqueiro.
Um ato de violência escandaliza, uma rotina de violência banaliza. A rotina da miséria brasileira acaba se integrando no cotidiano, funde-se com a paisagem e desaparece no nosso relativismo moral. É lamentável, e lamentada em todos os discursos e programas de governo, mas não é aterrorizante, pois quem pode viver em estado permanente de horror? E, no entanto, só o que diferencia a violência de uma invasão de terras da violência constante, rotineira, banalizada que a situação fundiária do país impõe aos sem-terras é o tempo.
Uma é uma quebra de normalidade, a outra é a normalidade. As duas são reprováveis, mas a segunda é absolvida pela indiferença. Não tem o mesmo efeito espetacular, o mesmo horror concentrado.
Isto não é uma justificativa para atos de violência como alguns praticados pelos que lutam pela reforma agrária, mesmo porque a violência sempre acaba favorecendo a reação. É só um comentário sobre o escândalo seletivo de quem demoniza os sem-terras mas não se horroriza com a violência diária, antiga, arraigada nos seus costumes e valores, praticada pela sociedade mais injusta do mundo. Ou só se horroriza com a retribuição.
Esse texto, tão pequeno no tamanho, é, na minha modesta opinião, enorme no significado e mensagem que transmite. Escrito de forma concisa, diz tudo que se propõe a dizer. Sem firulas.
Aliás falar isso de Luiz Fernando Veríssimo é buscar o lugar comum.
Por isso, resolvi postar, para poder compartilhar algo consciente e sem hipocrisias casuístas.
Espero que quem ler esse texto, compreenda a exata dimensão do que foi escrito.
Bjo.
Música: Drive do The Cars, na voz de Ziggy Marley.
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