Fragmentos, peças de um quebra-cabeça que não se encaixam, peças de um lego espalhadas pelo chão frio de minha alma. Olho todas as peças e não encontro solução para os enigmas que se me apresentam. Busco o raciocínio lógico, a razão, e não os encontro.
O chão me é tirado dos pés.
Sinto o nada sob mim.
Sinto-me lançado num universo infindo, numa queda constante...
Não vejo o fim do meu destino...
Não sei o que me espera seja lá aonde eu chegar... Não sei se vou chegar.
Uma alma distante parece saber traduzir meus anseios. Seria essa alma uma espécie de oráculo? Ou seria ela mesma mais um ser perdido, em queda livre na mesma escuridão que eu? Seria eu mesmo o seu oráculo? Almas distantes que se confundem num misto de inquietação, esperanças e devaneios. Talvez tudo não passe de um sonho... Um sonho sem começo nem fim, onde as esperanças não se concretizam na vida real.
Ah, solidão que me amputa os sentidos, que me turva a visão...
Caminho a passos largos em direção a lugar nenhum. Não sei onde quero ir. Vago perdido...
Busco o consolo dos ombros que desejo e vejo, nos meus sonhos noturnos. Vejo o espectro que me assombra e me atrai. Quero fugir e não posso... Nem quero. Não sei o que quero.
Sou levado pelos ventos do mar revolto. Nau à deriva, socada pelas ondas.
Sinto as grossas gotas da chuva triste a açoitar-me o rosto. Percebo tantos sonhos se esvaírem levados pelas densas espumas que se formam aos meus pés... Espalham-se pelo convés de minha alma como pedras preciosas que me caíram das fracas mãos... Tento recolhê-las, mas a água as arrasta para longe de mim. Umas após outras, minhas jóias são levadas...
Vejo ainda uns últimos brilhos refletirem os relâmpagos do céu cinzento, enquanto afundam no oceano denso.
Lágrimas, ainda mais grossas que as gotas da chuva, molham meu rosto. Percebo o gosto salgado das minhas lágrimas, mais salgados que a água do mar. Não são mais as primeiras e dúbias lágrimas... São lágrimas de uma desilusão latente.
Um rosto me vem a mente... Acho que sonho...
Minha Beatriz parece vir ao meu encontro, depois de eu ter cruzado todos os círculos do inferno.
Vejo a criatura iluminada que me observa ao longe. Está distante. É o oráculo que busco, que espero me traga as novas que há tanto almejo.
A minha Beatriz é despudorada, seu céu é um céu de amores lascivos, seu corpo é o corpo dos prazeres mais ímpios e luxuriosos, ainda que sua alma seja a mais pura, alva e límpida orquídea... Ser exuberante, que me fascina...
Quero sua paixão sublime, quero sua alma e seus amores, quero aventurar-me numa jornada em teus braços ó Beatriz.
Volto a mim e revejo meu quebra-cabeça... As peças ainda estão espalhadas... Sinto novamente o chão abaixo de mim.
Comigo ainda estão minhas estranhas e inúmeras impressões...
A tristeza ainda não se foi... Tantas reticências permeiam nossas existências.
Existência... Reticência... Dores... Amores... Lembranças... Esperanças...
Esperanças são o que restam. Só as esperanças.
Esse texto é de uma delicadeza e profundidade que me deixam sem fôlego.
Bjo.
Música - Two fine people de Cat Stevens.
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